Impunidade faz disparar trabalho escravo em Minas
Raul Mariano
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Desde que a Lei Áurea foi assinada, abolindo a escravidão do Brasil, 130 anos se passaram sem que a prática tenha sido efetivamente extinta. Mas em Minas, além de persistir, o problema é cada vez mais alarmante. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam que, apenas neste ano, 575 pessoas foram resgatadas em condições de exploração extrema.
O número é maior do que a soma dos dois últimos anos e revela um crescimento de 325% em relação a 2017, quando 135 trabalhadores foram encontrados em situações análogas à escravidão no Estado. O principal motivo para o salto foi uma megaopera-ção do MTE que, em março, descobriu mais de 500 pessoas que eram escravizadas por uma seita religiosa em pelo menos 15 municípios mineiros.
Levantamento
Um estudo recente coordenado pelo juiz federal e professor da Faculdade de Direito da UFMG, Carlos Haddad, vai mais longe e revela que, nos últimos 13 anos, quase 40 mil trabalhadores foram salvos da escravidão no país. Desses, pelo menos 4,8 mil atuavam em Minas.
São ex-funcionários de carvoarias, madeireiras, fazendas, lanchonetes, operários da construção civil ou da indústria têxtil trabalhando em condições sub-humanas. Na maioria dos casos faltam alojamentos adequados, instalações sanitárias, equipamentos de segurança e até mesmo água potável.
Trabalhadores nessas condições foram encontrados tanto em fazendas quanto em obras de várias cidades. Há registros em praticamente todas as regiões do Estado.
Haddad explica que manter um trabalhador a baixo custo é sempre mais interessante para o empregador, mesmo que isso configure uma situação ilegal. Sem a devida reprovação, destaca o professor, a prática acaba sendo estimulada. “Outro fator é o grau de conformismo das vítimas. Alguns nem sequer percebem que a situação é de total exploração”.
Inércia
A falta de resposta da Justiça para tantos casos de trabalho escravo, segundo o estudo, contribui para a continuidade da prática. Entre 2004 e 2017, só três condenações criminais definitivas foram publicadas e apenas um preso cumpre sentença por escravizar trabalhadores. “No Brasil os processos não andam”, critica Haddad.
Auditor fiscal do Ministério do Trabalho em Minas, Marcelo Campos relata que, só na última semana, foram encontrados na zona rural de Curvelo, região Central do Estado, 25 pessoas em situação de escravidão.
“Nós somos herdeiros da cultura escravocrata. Houve a abolição, mas a exploração continuou”.
Obstáculos
Outra barreira é a diminuição dos fiscais que vão a campo verificar situações de exploração. Hoje, existem 2.350 agentes do Ministério do Trabalho atuando no combate à escravidão em todo o país, menor número dos últimos 20 anos. Quem afirma é o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do MTE, Maurício Krepsky Fagundes.
“É um tipo de mão de obra que não pode ser substituída por nada na caracterização dos flagrantes. O último concurso para auditores aconteceu em 2013 e contratou cem profissionais. No entanto, 150 se aposentaram no mesmo período”. Por nota, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 3ª Região (Amatra III) reconheceu que “a legislação processual penal possibilita a utilização de recursos que tornam o processo extremamente moroso”.